sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Diário da liberdade

Diário da liberdade
      Estávamos na costa de um imenso litoral. Estávamos na rota da navegação comercial. Estávamos no continente berço da humanidade. Estávamos em tribos e nações. Estávamos em bilhões de seres viventes. Estávamos em guerras permanentes. Estávamos em etnia diferenciada pela melanina. Estávamos diante de mais de uma chacina. Estávamos próximos de um holocausto continuado além da travessia. Estávamos nos porões das embarcações. Estávamos acorrentados em aglomerações. Estávamos em exílio da terra natal. Estávamos nus, famintos e sedentos. Estávamos para ser extintos em civilização e em cultura. Estávamos detentos sem denúncia em nome do poder imperial.
      Estávamos de pés descalços e de almas despedaçadas. Estávamos nas praças públicas dos mercantilistas em expansões. Estávamos nas senzalas e nas plantações. Estávamos nas entradas e nas bandeiras. Estávamos nas minerações da prata e do ouro de aluvião. Estávamos no arraial, na vila e em todas as capitanias hereditárias. Estávamos nos quilombos além dos Palmares. Estávamos em culto religioso segregado. Estávamos numa lápide de um cemitério ignorado.
      Estávamos na porta da Igreja sem direito a primeira missa. Estávamos no portão do novo mundo sem porto seguro. Estávamos na janela da saudade em noite enluarada. Estávamos no leite da ama dedicada. Estávamos na força do braço escravizado. Estávamos no ventre violado da mucama adolescente. Estávamos no elo de uma mesma corrente. Estávamos nos troncos e nos castigos de um pelourinho oficial. Estávamos marcados com ferro e fogo por mais de um senhor colonial. Estávamos excluídos da regalia imperial secular. Estávamos além mar.
      Estávamos cumprindo a mesma sentença em exílio existencial. Estávamos na frente dos pelotões de mais de uma guerra em defesa do Império do Brasil imperial. Estávamos nas tribunas e nos parlamentos através da miscigenação. Estávamos na Lei Sexagenária e na Lei do Ventre Livre. Estávamos na Lei Áurea assinada pela princesa regente. Estávamos nos aproximando de uma República inclemente.
       Estávamos no verso de uma poesia sem autor identificado. Estávamos no roteiro de uma peça com mais de um figurante marginalizado. Estávamos diante dos olhos fechados da justiça. Estávamos submissos aos ditames diante da ausência da lei. Estávamos numa pátria sem rei ou imperador. Estávamos numa habitação periférica e sem urbanidade.
      Estávamos no drama da marginalidade. Estávamos excluídos da cidadania brasileira. Estávamos desunidos no pavilhão de uma mesma Bandeira. Estávamos ignorados pela ordem e pelo progresso. Estávamos por direito destinados à igualdade ampla, geral e irrestrita.  Estávamos livres da vida cativa. Estávamos no diário da humanidade de uma pátria viva. Estávamos no diário de uma sociedade em alvorada coletiva.   
      Estávamos no diário da liberdade além de uma data comemorativa. Zumbi vive além dos Palmares de uma monarquia excludente e exclusiva. Zumbi vive além dos olhares de uma resistência pertinente e interativa. Zumbi vive na memória, no reconhecimento e na força da união. Zumbi vive na história de um povo resistente de geração em geração. Zumbi vive na glória de uma pátria sob a égide de uma Constituição. Viva 20 de novembro! Viva a nossa conscientização!
Airton Reis é poeta em Cuiabá-MT. E-mail: airtonreis.poeta@gmail.com


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