terça-feira, 21 de maio de 2013

Pátria dos poetas – Vinicius de Moraes



Pátria dos poetas – Vinicius de Moraes
     “A minha pátria é como se não fosse, é íntima doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo é minha pátria. Por isso, no exílio assistindo dormir meu filho choro de saudades de minha pátria. Se me perguntarem o que é a minha pátria direi: Não sei.
      De fato, não sei como, por que e quando a minha pátria. Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água que elaboram e liquefazem a minha mágoa em longas lágrimas amargas. Vontade de beijar os olhos de minha pátria, de niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos... Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias de minha pátria, de minha pátria sem sapatos e sem meias, pátria minha tão pobrinha!
      Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho pátria, eu semente que nasci do vento. Eu que não vou e não venho, eu que permaneço em contato com a dor do tempo, eu elemento de ligação entre a ação e o pensamento. Eu fio invisível fio no espaço de todo adeus. Eu, o sem Deus!   
      Tenho-te, no entanto, em mim como um gemido
de flor; tenho-te como um amor morrido a quem se jurou; flor; tenho-te como uma fé sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito nesta sala estrangeira com lareira e sem pé direito. Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra quando tudo passou a ser infinito e nada terra. Eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu muitos me surpreenderam parado no campo sem luz à espera de ver surgir a Cruz do Sul que eu sabia, mas amanheceu... Fonte de mel, bicho triste, pátria minha amada, idolatrada, salve, salve!
     Que mais doce esperança acorrentada o não poder dizer-te: aguarda... Não tardo! Quero rever-te, pátria minha, e para rever-te me esqueci de tudo. Fui cego, estropiado, surdo, mudo. Vi minha humilde morte cara a cara. Rasguei poemas, mulheres, horizontes. Fiquei simples, sem fontes.     
     Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta lábaro não; a minha pátria é desolação de caminhos, a minha pátria é terra sedenta e praia branca; a minha pátria é o grande rio secular que bebe nuvem, come terra e urina mar.
    Mais do que a mais garrida, a minha pátria tem uma quentura, um querer bem, um bem. Um libertas quae sera tamem que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também”. E repito! Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa que brinca em teus cabelos e te alisa pátria minha e perfuma o teu chão... Que vontade de adormecer-me entre teus doces montes, pátria minha.
Atento à fome em tuas entranhas e ao batuque em teu coração.
    Não te direi o nome, pátria minha. Teu nome é pátria amada, é patriazinha. Não rima com mãe gentil. Vives em mim como uma filha, que és uma ilha de ternura: a ilha Brasil, talvez.
    Agora chamarei a amiga cotovia e pedirei que peça ao rouxinol do dia que peça ao sábia para levar-te presto este avigrama:
   “Pátria minha, saudades de quem te ama... Vinicius de Moraes”.

Texto extraído do livro "Vinicius de Moraes (1913-1980) - Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 383.
Airton Reis, professor, poeta e embaixador da paz em Cuiabá-MT. airtonreis.poeta@gmail.com

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