terça-feira, 15 de outubro de 2013

Tuberculose no ar...

Tuberculose no ar...

“Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: — Diga trinta e três. — Trinta e três... Trinta e três... Trinta e três... — Respire! — O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. — Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? — Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino”. (Pneumotórax - Manuel Bandeira).
      Uma penitenciária super lotada. Uma medicina defasada. Uma clínica de fachada. Um surto alarmante. Uma epidemia desconcertante. Um pulmão infiltrado. Um público ignorado. Um bacilo não curado. Um paciente terminal. Um funeral. Uma vítima do regime prisional. Uma insalubridade decadente. Uma triagem superficial. Uma manchete de jornal.
      Mal de um século continuado no Brasil central. Malefícios agravados pela incúria governamental. Porão dos condenados em lastro criminal. Penúria institucionalizada em tempo real. Penitencia nem tão oculta. Falência mais do que orgânica. Contaminação disseminada. Consulta tardia. Medicação sem garantia. Tratamento ineficaz. Calamidade voraz. Óbito registrado.
      Quem morreu e quem padece? Quem alastra e quem dissemina? Quem contamina e quem é contaminado? Quem examina e quem foi examinado? Quem se curou e quem foi tratado? Quem padeceu nas mãos do Estado? Quem comeu o pão amassado pelo mesmo diabo? Quem permite tamanho descalabro? Quem consente inumerável inoperância? Quem ignora a emergencial importância? Quem administra sem a devida relevância?
      Presidiários duplamente condenados. Presidiários evidentemente esquecidos. Presidiários freqüentemente relegados. Presidiários contaminados e contaminadores. Senhoras e senhores. Familiares e visitantes. Agentes prisionais e carcereiros. Policiais militares e civis. A mesma chaga, a mesma cicatriz. A mesma ferida, a mesma enfermidade sem final feliz.
     Tuberculose no ar da lendária Cuiabá em bis e refrão. Tuberculose no ar canalizado de uma prisão. Tuberculose nos confins do mundo cão.  Tuberculose em centena recontada. Tuberculose com hora marcada para a próxima vítima fatal. Tuberculose sem solução institucional. Tuberculose em bacilo coadjuvante de um vírus letal. Tuberculose em raiz medieval. Tuberculose em tronco deveras republicano na sua melhor idade. Tuberculose em turba amontoada pela insalubridade. Tuberculose na má vontade do ato de curar. Tuberculose com nome e com sobrenome. Tuberculose com alcunha e com apelido. Tuberculose em tempo e em espaço ilimitado. Tuberculose lado a lado. É fato!
Airton Reis, professor, poeta e embaixador da paz em Mato Grosso. airtonreis.poeta@gmail.com



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