segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Brasil: Sete Quedas e outras mais...

   “Sete quedas por mim passaram, e todas sete se esvaíram. Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele a memória dos índios, pulverizada, já não desperta o mínimo arrepio. Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes, aos apagados fogos de Ciudad Real de Guaira vão juntar-se os sete fantasmas das águas assassinadas por mão do homem, dono do planeta. Aqui outrora retumbaram vozes da natureza imaginosa, fértil em teatrais encenações de sonhos aos homens ofertadas sem contrato. Uma beleza-em-si, fantástico desenho corporizado em cachões e bulcões de aéreo contorno mostrava-se, despia-se, doava-se em livre coito à humana vista extasiada. Toda a arquitetura, toda a engenharia de remotos egípcios e assírios em vão ousaria criar tal monumento. E desfaz-se por ingrata intervenção de tecnocratas. Aqui sete visões, sete esculturas de líquido perfil dissolvem-se entre cálculos computadorizados de um país que vai deixando de ser humano para tornar-se empresa gélida, mais nada. Faz-se do movimento uma represa, da agitação faz-se um silêncio empresarial, de hidrelétrico projeto. Vamos oferecer todo o conforto que luz e força tarifadas geram à custa de outro bem que não tem preço nem resgate, empobrecendo a vida na feroz ilusão de enriquecê-la. Sete boiadas de água, sete touros brancos, de bilhões de touros brancos integrados, afundam-se em lagoa, e no vazio que forma alguma ocupará, que resta senão da natureza a dor sem gesto, a calada censura e a maldição que o tempo irá trazendo? Vinde povos estranhos, vinde irmãos brasileiros de todos os semblantes, vinde ver e guardar não mais a obra de arte natural hoje cartão-postal a cores, melancólico, mas seu espectro ainda rorejante de irisadas pérolas de espuma e raiva, passando, circunvoando, entre pontes pênseis destruídas e o inútil pranto das coisas, sem acordar nenhum remorso, nenhuma culpa ardente e confessada.(“Assumimos a responsabilidade! Estamos construindo o Brasil grande!”). E patati patati patatá... Sete quedas por nós passaram, e não soubemos, ah, não soubemos amá-las, e todas sete foram mortas, e todas sete somem no ar, sete fantasmas, sete crimes dos vivos golpeando a vida que nunca mais renascerá”. (Carlos Drummond de Andrade – Poema publicado em 09 de setembro de 1982, Jornal do Brasil, Caderno B).

        Energia poética em vazão. Tempo de Belo Monte orquestrado numa mesma inundação. Tempo de eleição. Tempo de proposta política quiçá efetivada. Tempo de mudança governamental ensaiada em mais de um rincão. Tempo do sim. Tempo do não. Tempo do talvez esgotado e sem prorrogação. Tempo da visão institucional ampliada em melhoria social. Tempo da clareira aberta na Amazônia Legal. Tempo da chuva que não gotejou. Tempo da cacimba que secou. Tempo dos rios transbordantes. Tempo da fumaça em ventos errantes.
        Os mesmos governantes. Outros eleitorados. Os mesmos legisladores. Outros representados. Os mesmos elefantes edificados. Outros entes federados. O mesmo morro. Outros gritos de socorro. As mesmas escolas sem merenda. Outras famílias sem renda. As mesmas desigualdades. Outras vítimas das barbaridades. As mesmas penas. Outras infrações. Os mesmos crimes. Outros criminosos. Os mesmos deslizes. Outros mentirosos.
        Nem tudo muda na velocidade almejada. Nem tudo passa com o silêncio da madrugada. Nem toda palavra é oração subordinada. Nem toda rima é improvisada. Nem todo verso é devaneio. Nem toda prosa é narração. Nem toda poesia é estrofe de canção. Nem tudo é trocadilho. Nem tudo é invenção. Nem tudo é realidade. Nem tudo é ficção. Há comédia. Há comediante. Há tragédia. Há drama. Há dramalhão. Há protagonista. Há figurante. Há ribalta. Há platéia. Há público pagante. Há enganação.
        Haverá outra Pangéia? Haverá outro Planeta Azul? Haverá outra América do Sul? Haverá outra mudança climática radical? Haverá outro conflito nuclear? Haverá outra guerra mundial em andamento? Haverá para todos nós o alimento de cada dia? Haverá para todos nós o pavimento da democracia? E a soberania popular, por onde andará errante? Quem se qualifica com legitimidade representativa do voto livre, secreto e universal? Quem sobe e quem desce na pesquisa eleitoral? Quantos impactos além do ambiental? Volto à citação inicial... Quatro parágrafos. Ponto Final.
Airton Reis, professor e poeta em Cuiabá-MT. airtonreis.poeta@gmail.com

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